sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Do acordo dos usineiros à queda de Suruagy




O início da década de 1990 foi marcado, em nível mundial, pela recente queda do muro de Berlin, abertura econômica de países do bloco Socialista e pela proliferação de um sentimento de fim da História, com a suposta derrota do Socialismo e vitória do Capitalismo. Para consolidar este salto, os grandes países capitalistas formularam, numa reunião em Washington (EUA), uma série de teorias e políticas públicas a ser aplicadas em países periféricos, como o Brasil e seus irmãos latino-americanos. Aprofundando a dependência destes países às grandes potências econômicas, o chamado “Consenso de Washington” propunha a minimização do Estado, com cortes de verbas em políticas sociais de base, como educação, saúde e cultura, além da cessão destes serviços para a iniciativa privada.

No Brasil, com a vitória de Collor e da Globo na eleição presidencial (1989), as portas do país estavam finalmente abertas ao pensamento neoliberal. Vimos, primeiro com Collor e depois na Era FHC, o sucateamento do serviço público e a abertura destes para o capital privado. Um exemplo foi o “boom” de Universidades privadas que pipocava em esquinas de todo o país.

Para entender a situação de Alagoas, nesse cenário, precisamos remontar às origens de suas bases econômicas, quando da instalação dos bangüês e sua transição para o sistema de usinas. De 1570 a 1890, os bangüês resistiram como único modelo de cultivo e processamento da cana-de-açúcar, mas em 1892, com a instalação da Usina Brasileiro, aos poucos foram cedendo lugar a novas tecnologias e um novo jeito de cultivo e de melhoramento. “Os engenhos centrais, por sua vez, foram, gradativamente, desaparecendo. Já as usinas prevaleceram no território configurando-se como responsáveis pelo desenvolvimento econômico, (de) formação da sociedade e centralização do poder em Alagoas”, segundo Almeida e Santos (2006).

A exclusividade da cana-de-açúcar como único produto em Alagoas dificulta nossa independência e centraliza o poder nas mãos dos poucos donos de usinas. Dos 102 municípios em Alagoas, 54 cultivam a cana e, apesar das tentativas de diversificação ao longo da história como o algodão, o turismo, os distritos industriais, a cultura canavieira territorializa o agronegócio no Estado, cristalizando também as relações de poder localmente em favor dos grupos de usineiros.

A década de 1990 inicia em Alagoas ainda respirando os ares da década anterior, que definiu econômica e politicamente o destino dos alagoanos. Sempre beneficiados pelo Estado para consolidar seus lucros, como em programas de financiamento existentes, como os do IAA (Instituto do Açúcar e Álcool) desde a década de 1930 e do Planalsucar (Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-Açúcar) e PróÁlcool (Programa Nacional do Álcool) desde a década de 1970, as oligarquias familiares orquestram um verdadeiro assalto aos cofres públicos. Só no PróÁlcool, Alagoas recebeu 7% de todos os projetos aprovados no país. Em julho de 1988, o “Termo de Transação do Indébito da Cana Própria”, popularmente conhecido como Acordo dos Usineiros, foi o golpe fatal do utilitarismo do Estado em função de uma elite. Ao aceitar o questionamento dos donos de usinas sobre a cobrança indevida do Imposto de Circulação de Mercadoria (ICM, hoje também de Serviços, ICMS) sobre a cana-de-açúcar que circulou dentro de uma mesma empresa (a chamada “cana própria) entre julho de 1988 e abril de 1989, o então governador Fernando Collor assume, pelo Estado, uma dívida de cerca de R$ 125mi. Sem verba para quitá-la, as partes entram em acordo pela isenção do imposto a estas empresas durante 10 anos. No primeiro acordo, 19 empresas foram beneficiadas. Um ano mais tarde, em 1989, mais 12 foram incorporadas. Maior fonte orçamentária do Estado, os tributos das usinas chegaram a somar cerca de 60% de toda a renda em Alagoas. Com o acordo, durante a década de 1990 chegava a 10% anualmente.

Com a consolidação de um modelo de Estado à serviço de uma elite, os anos que se seguiram foram de caos nos serviços públicos. O Estado cada vez mais se afogava na lama das usinas e, com a sede por crédito das empresas do setor sucroalcooleiro após o fim do IAA e seus subsídios, vê falir seu banco Estatal (o Produban). Com as portas abertas ao caos, o estopim dessa bola de neve vem em 1997, sob a hégide de Divaldo Suruagy, então governador que propõe um Plano de Demissão Voluntária (PDV) para os servidores públicos. Com a adesão de 13.000 dos 21.000 professores, além de milhares de outros profissionais, a visão de diminuição dos gastos com a máquina pública não foi suficiente para fazer nossa economia emergir e, em 1997, os servidores vão as ruas para protestar.

O clima de insatisfação e de instabilidade política ficou mais aparente com o aquartelamento dos policiais militares e com a pressão pelo impeacthment de Suruagy. Depois de vários suicídios de pais de família desesperados e de um longo tempo de mobilizações, no dia 17 de julho de 1997, com uma grande tensão em praça pública e confronto entre Pms leais e rebeldes ao Governo, Divaldo Suruagy é derrubado do posto máximo do comando em Alagoas. A pressão popular foi, desta vez, vitoriosa e abriu o caminho para a reestruturação econômica, política e social do Estado. Com Mano, vice de Suruagy, e com Ronaldo Lessa, eleito em 1998, o cenário não poderia sair da instabilidade e se reverter (a dívida pública chegou a R$ 1,5bi), sem que se rompesse essa relação de promiscuidade que os usineiros têm em relação ao nosso Estado, sempre sugando quando lhe é necessário e nunca repartindo benefícios com a população local.